Vida de influencer é amor ou cilada?

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Como boa millennial, fui apresentada às redes sociais no início da adolescência (sdds, MSN e Orkut). Em poucos anos, as salinhas de bate-papo da UOL, os fotologs e os blogspots foram substituídos pelo Twitter, Facebook, LinkedIn, YouTube, Instagram, Snapchat, TikTok (se você é da geração Z) etc. E, claro, não demorou pra começarem a pensar em como monetizar o rolê.

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Até aí, nada de errado. Afinal, todo mundo tem boletinhos pra pagar no final de todo mês. Logo, as redes sociais — que eram o ponto de encontro de muita gente e um ótimo lugar para manter contato com pessoas (conhecidas ou não) —, se tornaram plataformas para que pudéssemos compartilhar histórias.

Nas redes tem conteúdo de todo tipo, de todo jeito, sobre qualquer tipo de assunto. Lá, todo mundo pode ser, ao mesmo tempo, criador de conteúdo e audiência. Alguns criam mais conteúdo que outros. E outros têm audiências maiores que — sejamos honestos — a grande maioria das pessoas. E foi nas redes que surgiu essa figura curiosa, que hoje tá em todo lugar: o digital influencer.

O influenciador digital é, por definição, a pessoa que constrói uma carreira por meio do marketing de sua personalidade ou habilidades (ou ambos) nas redes sociais.

Por não saírem de uma posição de destaque, como muitas celebridades que têm grandes audiências nas redes em razão de suas carreiras fora delas, influenciadores são vistos pelo público como pessoas acessíveis, ou até mesmo amigas, o que os torna excelentes aliados para que marcas possam alcançar maiores públicos e vender produtos.

O marketing de influência não está em evidência à toa. Todos os dias, somos bombardeados por posts e mais posts de pessoas saradas, sorridentes e viajantes. Lógico que a indústria não se resume a isso. Hoje em dia há influenciadores em praticamente todos os nichos de mercado.

No entanto, esse texto é sobre o “influencer raíz”, aquele que todo mundo olha e sente aquela pontinha de inveja porque a pessoa tá num resort, passeando de helicóptero ou foi convidada pra algum evento da hora que muito provavelmente não cabe no seu orçamento.

Pra quem olha de fora, tudo parece perfeito e, não por acaso, tem gente que investe muito tempo e dinheiro para transformar suas contas em espaços que agradem, simultaneamente, audiências e marcas.

Não vou me estender sobre os bastidores da profissão, mas, para o bem do argumento, precisamos saber que ser influencer envolve postar conteúdo autêntico e interessante para os seus seguidores, ter uma estética e identidade visual próprias e criar situações para que este público engaje com o que foi postado.

Pois bem, no final do ano passado rolou uma tour curiosa no Twitter. Resumidadmente, o rod, que é um roteirista de TV e tem, hoje, mais de 140 mil seguidores na rede fez este post:

Após muitas especulações e palpites da galera, foi revelado que a pessoa que deixou o moço constrangido foi a youtuber Dora Figueiredo, que tem um canal com quase 2 milhões de inscritos e mais de 160 mil seguidores no microblog. A própria se manifestou e pediu desculpas, dizendo que não estava num dia muito bom e estava correndo contra o tempo para fazer um post patrocinado:

No dia seguinte, me deparei com um texto no Medium, do escritor e podcaster Srinivas Rao. O título era este: Como o nascimento do influencer levou à morte dos hobbies. Basicamente, ele defende (utilizando, inclusive, algumas citações do Austin Kleon) que as redes sociais e a ascensão dos influencers fizeram com que tudo o que fazemos/criamos/realizamos se tornasse conteúdo. E, consequentemente, algo possível de se monetizar.

Estar bem, ou parecer que está bem, o tempo todo dá muito trabalho.

Com a história do Twitter na cabeça e a argumentação feita no artigo, fiquei pensando sobre algo que nem sempre a gente considera quando está rolando o feed do Instagram e se sentido mal vendo as vidas (quase) perfeitas dos influencers: estar bem — ou melhor, parecer que está bem — o tempo todo dá MUITO trabalho.

A influencer que vai ao Rock in Rio não está ali para se divertir, mas para trabalhar. Ao mesmo tempo, a profissão dela é mostrar para sua audiência uma vida divertida. Eu sei que não é tão simples assim, mas toda marca que leva alguém para um festival de música quer que a pessoa transmita a experiência da maneira mais positiva possível (e, claro, mostrando o seu produto). Mesmo que não esteja num dia lá muito bom, ela precisa incorporar a persona e entregar a mensagem.

Isso significa mostrar para a sua audiência como o evento é legal, fazer o #publi post perfeito (antes que os últimos raios de sol se ponham) e, de certa forma, perpetuar a ilusão que faz com que essa indústria cresça a passos tão gigantescos: a ideia de que “você também pode estar aqui”.

Eu sei que muitos influencers já abandonaram essa premissa de sempre mostrar o lado bom das coisas e vários utilizam suas plataformas para falar de assuntos sérios e importantes, como é o caso da própria Dora, que usa os seus canais de comunicação para falar de empoderamento, amor próprio e sexualidade. Inclusive, o TEDx dela sobre violência doméstica é um soco no estômago.

Mesmo assim, a nossa visão, como público, ainda é muito focada no que a vida de influencer aparenta ser: recebidinhos da semana, passeios e festas exclusivos, viagens com tudo pago, encontrar outros influenciadores em eventos e postar nas redes, fotos espontâneas em cafés, massagens etc. 

Mas, será que a soma disso tudo é amor ou cilada? Acho que a resposta é a que todo mundo esperava, mas ninguém queria ouvir: depende. Ser influenciador digital é trabalho. E, por ser trabalho, vai ter o dia que vai ser mais amor e o dia que vai ser mais cilada. A questão é determinar se o amor ultrapassa as ciladas ou vice-versa.

Por exemplo, uma das principais tarefas de um influencer  é criar conteúdo. Se você gosta desta parte, provavelmente vai superar ter que ir a um evento e produzir o que precisa ser produzido para a marca que te contratou, mesmo que você não esteja no clima. São os ossos do ofício e vida que segue. 

No entanto, vale a reflexão, também, pra quem está do outro lado: transformar um hobby em profissão (ou num projeto pessoal, o famoso side hustle), faz daquela atividade um trabalho e atribui a ela uma “carga” de expectativas, uma “aura” de obrigação que pode tirar toda a liberdade — ou diversão — de fazer aquilo.

Então, quando você pensar que a sua vida é um poço de tédio enquanto rola o feed do Instagram, lembre-se que a vida de influencer também tem seus perrengues e, talvez, não seja o fim do mundo ficar em casa assistindo Netflix no fim de semana do Rock in Rio ou, até mesmo, pagar o ingresso e ir pro festival se divertir, com toda a liberdade que só um hobby pode proporcionar.

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O que Beyoncé, Anitta, Izabella Camargo e 1/3 dos trabalhadores no Brasil tem em comum

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Recentemente, o termo burnout (ou burn-out) tem sido pauta de notícias, eventos e conversas em diversos lugares do mundo. O termo já é usado há quase 50 anos para descrever o esgotamento emocional e físico causado por estresse crônico. Os números são alarmantes: estima-se que 32% dos trabalhadores brasileiros já sofram com os efeitos da síndrome. No entanto, ainda são pouquíssimas as pessoas que falam abertamente sobre o tema.

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Até mesmo quando celebridades, como Anitta e Beyoncé, são afastadas do trabalho para tratar de sintomas causados pela síndrome, ela não é abertamente nomeada. Fala-se em depressão, exaustão, ansiedade, mas raramente fala-se em estresse crônico e sobrecarga de trabalho como a causa desses adoecimentos

A jornalista Izabella Camargo, que foi demitida da Rede Globo ano passado ao retornar de licença médica por burnout, é uma das poucas pessoas no mundo inteiro que assume publicamente, com todas as letras, que sofreu e sofre com as consequências do burnout. Izabella tem quase 300 mil seguidores no Instagram e fala sobre sua experiência com muita franqueza. 

Por que relatos como de Izabella ainda são raros? Como pode conhecermos tão poucos que sofrem da síndrome de burnout, se ela tem afetado a saúde de um a cada três trabalhadores?

Quem ganha com o silêncio?

Escrevo e falo sobre a minha história com burnout há pouco mais de um ano (inclusive aqui no Aparelho), e as reações ainda surpreendem. Pessoas que não imaginavam que, quando eu trabalhava sem parar e me isolava das pessoas, eu enfrentava uma depressão. Pessoas que não faziam ideia de que já sofri crises de pânico, que precisei de ansiolítico sublingual para andar em aeroporto. Pessoas que leem o que escrevo e se identificam, mas me contatam por mensagem privada para não expor seu perfil publicamente. Ouço as histórias de amigos e conhecidos que enfrentam questões muito parecidas, mas não confiam em quase ninguém para se abrir.

Existe um medo velado, não dito. Medo de parecer frágil demais e, com isso, perder oportunidades, perder promoções, ou até mesmo perder o emprego. 

É preciso que tenhamos a compreensão de que a burnout é ativada e influenciada por três fatores: individual, organizacional e social / cultural. Estar lidando com os sintomas da síndrome diz algo sobre essas três esferas:

  • Individual: diz respeito à sua capacidade interna de lidar com o estresse e emoções, a um comportamento workaholic e ao estado de suas relações pessoais;
  • Organizacional: fala da capacidade da empresa de respeitar os limites físicos e emocionais dos colaboradores, de ter uma visão clara, lideranças competentes, postura ética e aversão à práticas abusivas;
  • Social / Cultural: é influenciada pela situação econômica do seu Estado ou país, pelo nível de desigualdade social e pelos reforços de glorificação do excesso de trabalho.

Note que é um problema complexo, longe de ser culpa apenas do indivíduo, ou apenas da organização. E é pela natureza multifacetada da burnout que ela permanece sendo uma epidemia silenciosa.

Identificar-se publicamente como alguém que sofreu com a burnout é uma marca permanente de que talvez você não consiga dar conta do recado.

É desafiador para o indivíduo ver-se com seu próprio vício em trabalho e buscar entender seus motivos. É difícil que organizações assumam onde pisaram na bola, revejam sua ética e se entendam responsáveis pelo bem-estar dos colaboradores. O que dizer, então, de pensar políticas públicas que garantam direitos básicos, ou em transformação da mentalidade predominante que nos dita que o nosso trabalho é, sim, a nossa vida?

As próprias Anitta e a Beyoncé, mencionadas antes, estão sob uma pressão imensa (delas próprias e do mercado) por continuar entregando, continuar lançando, se apresentando. Identificar-se publicamente como alguém que sofreu com a burnout é uma marca permanente de que talvez você não consiga dar conta do recado.

Falar não só é terapêutico, também é transformador

Trazer esse tema à pauta não é fácil, pois ele expõe as carências de todas as esferas, do indivíduo ao sistema. Mas o silêncio não vem ajudando a resolvê-lo. Se não tivermos com quem falar a respeito e sentir-nos vistos, compreendidos por alguém que passou algo parecido, a tendência é nos isolarmos ainda mais. E o isolamento social é justamente um dos sintomas da síndrome, algo muito perigoso para nossa saúde.

Isso não quer dizer que você precise fazer uma camiseta com seus diagnósticos e sufocos (mas se quiser, também pode): faça o que estiver ao seu alcance. Talvez o momento seja de se abrir somente com alguém de confiança. E tudo bem.

Alguns de nós, no entanto, temos a oportunidade e o privilégio de ir além disso. Quem tem o próprio negócio ou quem tem uma liberdade maior na sua empresa tem a oportunidade de criar conversas que serão boas pra todo mundo. Todas as esferas ganham quando a gente joga luz sobre esse assunto:

  • Individual: você se sente menos sozinho e menos culpado;
  • Organizacional: incentiva que se criem práticas e políticas que prezam pelo bem-estar dos colaboradores, o que retorna em melhores entregas, time mais feliz, menos custas médicas e menos rotatividade;
  • Social / Cultural: move a sociedade pra frente, questionando essa nossa cultura workaholic, explorando formas diferentes de exercer o trabalho.

Eu decidi compartilhar a minha história com a síndrome de burnout há pouco mais de um ano, quando me vi desempregada, vivendo em outro país, e sem perspectiva de ter saúde para retornar ao mercado tradicional. Desde então, quando busquei um emprego tradicional, o que escrevo foi mencionado, gerando um imenso desconforto. Pessoas próximas passaram meses sem receber o auxílio-doença do governo, a que tinham direito, por medo de que futuros empregadores tivessem acesso ao seu diagnóstico.

Quando escolhi abrir o jogo e contar a minha história publicamente, eu entendi que isso poderia me prejudicar de alguma forma, mas tinha o privilégio de cometer essa ousadia. Poucas pessoas tem essa opção, e isso nos torna ainda mais responsáveis por ampliar essa conversa, normalizar esse tema e derrubar esses tabus.

Concluindo

Expor nossas vulnerabilidades pode ser assustador, mas é importante no processo de recuperação, nosso e dos que estão ao nosso redor. A síndrome de burnout é tema sério, complexo, que diz sobre carências fundamentais em nós mesmos e no mundo que nos cerca.

É urgente falarmos da nossa relação com o trabalho.

É por isso que essa coluna está estreando no Aparelho: porque é urgente falarmos da nossa relação com o trabalho e as consequências disso na nossa saúde mental e física. 

Porque conhecendo outras histórias a gente se sente menos sozinho, menos isolado, e menos culpado pelas angústias que nos afligem. Porque é só falando sobre isso que a gente vai conseguir refletir sobre novas e melhores formas de pensar na nossa rotina, na realização no nosso propósito e em como entregar produtos incríveis que carreguem o melhor da gente com eles.

E aí, vai entrar na conversa?

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