Como a pandemia influencia o marketing de influência?

Eu não sei vocês, mas desde que o distanciamento social começou no Brasil, meu consumo de redes sociais aumentou bastante. Entre procurar informações, ter algum contato com pessoas queridas e, simplesmente, me entreter pra tentar escapar um pouco dessa realidade distópica que estamos vivendo, cheguei a passar umas boas 30 horas por semana entre o Instagram e o Twitter (ainda não me rendi ao TikTok, porque me acho um pouco velha e antissocial demais praquela rede, mas… daqui até tudo isso passar, tudo pode acontecer).

Com o passar das semanas (e o fim da alienação mor conhecida como BBB), fui dosando melhor meu tempo online e tentando focar em outras atividades. Mas uma coisa não dá pra negar: a internet se tornou o point de todos nós. Agora, tudo acontece aqui. E é natural que a gente queira estar presente para deixar aquele #EuFuiEuTava no checklist de acontecimentos da quarentena.

Obviamente, não ter a opção de sair de casa e sermos obrigados a concentrar a grande maioria das nossas interações numa tela traz à tona novos olhares e demandas para o conteúdo que é produzido, especialmente nas redes. Marcas e influenciadores digitais tiveram que se adaptar a uma realidade inteiramente inédita. Afinal, é a primeira vez que nós (que estamos vivos) lidamos com uma pandemia de alcance mundial. E é a primeira vez na história que isso acontece com todos conectados à internet.

Então, nesta coluna, resolvi escrever sobre o que eu notei de diferente na produção de conteúdo para as redes sociais nesse momento histórico. Entre propostas muito boas, uma infinidade de lives para assistir todos os dias e algumas grandes cagadas, a ideia é refletir um pouco sobre como a pandemia do coronavírus está influenciando o marketing de influência.

Bora?

O conteúdo agora é outro

Mais especificamente, a demanda de conteúdo agora é outra. Adaptar a linha editorial foi o primeiro passo a ser dado por quem tivesse o mínimo interesse em se manter relevante para um mundo quarentenado. Influencers de viagem e estilo de vida foram os primeiros a perceber que não daria pra continuar produzindo como antes.

Uma matéria da Wired do mês de abril retratou isso muito bem. A reportagem começa citando um microinfluenciador de São Francisco, na California. Na segunda semana daquele mês, Justin C. Blomgren publicou uma foto dele mesmo contemplando uma vista com a seguinte legenda: “Pra ser sincero, eu meio que não tenho mais nada pra dizer… Mas aqui está uma foto para mostrar que estou vivo e saudável”.

 
 
 
 
 
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Tbh, I’ve sort of run out of things to say… but here’s a photo showing I’m alive and healthy 👦🏼👋🏻 Comment a fun emoji to let me know you’re makin it 🤪⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀ #highway1 #californiadreaming #californication #beachvibes #socialdistancing #sunsetlover #stayhome #washyourhands #quarantine #covid19 #findinghappiness #gaysofinstagram #selfquarantine #coronavirus #sanfrancisco #optimistic

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O post do rapaz é um bom exemplo do que o coronavírus provocou no mercado da influência. Como “influenciar” sem ter algo de relevante a dizer sobre o momento? A situação não se resume a não poder viajar ou frequentar bares, restaurantes e áreas VIPs de festas e festivais. E o marketing de influência é largamente pautado por uma comunicação que — cedo ou tarde — será focada em vendas. Logo, num período de instabilidade econômica e incertezas das mais variadas, sugerir que as pessoas gastem dinheiro com algum produto ou serviço tem um ‘peso’ ético ainda maior.

No início do isolamento, em março, a BRUNCH e a YOUPIX fizeram uma pesquisa com 164 marcas e 554 creators para entender como essas duas partes estavam pensando em lidar com a pandemia. As respostas resultaram no relatório Marketing de Influência em tempos de pandemia de Covid-19. E outra empresa, a Social Miner, lançou o material O que mudou no comportamento do consumidor, focando na relação de quem compra com o e-commerce.

O relatório da YOUPIX mostra que 70,3% das marcas pausaram ou cancelaram campanhas para reajustar a estratégia, que passou a priorizar posicionamento e awareness. Na outra ponta, 52,4% dos influenciadores tiveram trabalhos cancelados por causa da Covid-19. Ainda assim, o marketing de influência é uma das principais apostas das marcas para o momento, visto que 78,5% delas afirmaram que devem manter o investimento.

Muito do que é abordado nos relatórios, já podemos ver acontecendo na prática. Diversas marcas têm usado influencers e celebridades para campanhas e produção de conteúdo voltados à pandemia e suas implicações diretas e indiretas na vida e na rotina das pessoas. Ana Paula Passarelli, que é cofundadora e COO da BRUNCH, avaliou no material: “Criadores de conteúdo podem ser os maiores aliados das marcas em momentos de crise, em especial por terem laços de confiança bem estabelecidos com suas comunidades”. E é realmente nisso que as marcas estão apostando.

62% dos influenciadores que responderam à pesquisa afirmaram que iriam mudar o foco da criação e falar sobre a Covid-19 e seus efeitos nos seus nichos de trabalho. 49,4% deles apontaram que iriam produzir mais conteúdo do que o normal nesse período. Ainda: 42,7% disseram ter sofrido com as notícias e perdido o foco na criação e 51,5% não têm reservas emergenciais e teriam impacto direto nas finanças.

Conscientização e rede solidária

O levantamento da YOUPIX sugere um plano de ação que foca em três pilares de conteúdo: conscientização, consumo consciente e comunidade. Logo no início da quarentena, mais de 2 mil influenciadores participaram das campanhas #VamosPararOBrasil e #RendaBásicaJá, que visavam alertar sobre a importância de ficar em casa e tentar garantir que quem não pudesse trabalhar tivesse apoio do governo (o que culminou na aprovação do Auxílio Emergencial). Mais recentemente, muitos se engajaram na iniciativa #AdiaEnem, que também teve resultado positivo.

Informações sobre como lidar com o vírus e o isolamento, saúde mental, segurança e como doar para instituições que atendem pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade também entraram nas linhas editoriais. Rapidamente, o Instagram se tornou a Netflix das lives. Todos os dias, em vários horários, há uma grande quantidade de opções de entretenimento por ali. Tanto que uma atualização recente do aplicativo permite que os usuários postem as transmissões diretamente no IGTV assim que elas são encerradas. Muitos perfis, inclusive, vêm sendo liberados para lives mais longas que o limite de 60 minutos estipulado pela plataforma.

E o formato não parou por aí. Em março e abril, alguns artistas e profissionais da música organizaram festivais online pelo próprio Instagram, com shows caseiros e com pouquíssima produção. Quando ficou evidente que o isolamento seguiria por mais algum tempo, as lives começaram a migrar para o YouTube (com aplicativos para televisão, a experiência ficou mais grandiosa), com uma produção mais avantajada, patrocínios e a criação de uma rede solidária.

Com isso, marcas de bebidas, lojas de departamento e outros segmentos de empresas têm a oportunidade de manterem frescas na memória das pessoas — assim como os artistas —, quem está em casa se diverte (mesmo sem sair) e todos podem contribuir para que diversas instituições recebam doações e recursos para ajudar quem precisa.

F*da-se a vida!

Evidentemente, a gente não passaria por essa pandemia sem algumas bolas fora. A começar pelas performances cheias de “boas intenções” de celebridades gringas cantando Imagine e brasileiras cantando Trem Bala em vídeos caseiros e com edição simplista. As mensagens de “somos todos iguais” e “estamos no mesmo barco” foram amplamente criticadas e muita gente também se incomodou com os discursos de positividade feitos em mansões e casas de praia enquanto, para a maioria das pessoas, ficar em casa é um grande sacrifício, inclusive financeiro.

Aqui no Brasil, tivemos o caso vergonhoso da influencer fitness Gabriela Pugliesi, que deu uma festa durante a quarentena e, não satisfeita, registrou a reunião clandestina em uma sequência de Stories cheios de deboche, chegando ao cúmulo de gritar “f*oda-se a vida!” para a câmera. O fato foi comentado a fundo num episódio do Braincast que, inclusive, contou com a participação da Bia Granja, da YOUPIX.

Cancelada por causa da festinha, Pugliesi (que teve Covid-19 em março) perdeu vários contratos, assim como outras influenciadoras que estiveram no evento. A repercussão negativa fez com que mais de 100 mil pessoas parassem de segui-la. E só não foi mais porque ela desativou a conta quando percebeu que o número estava caindo — um truque já conhecido por influenciadores que são frequentemente cancelados na internet.

Essa não foi a única cagada dos influenciadores nessa pandemia. Teve uma moça que mandou um “covid-se” numa legenda de um publipost, teve microinfluenciador mostrando nos Stories que estava se cadastrando para receber o Auxílio Emergencial, teve outro que disse ter se candidatado ao Auxílio para comprar cestas básicas para doação com o dinheiro (???), enfim… Não dá pra esperar maturidade e bom senso de todo mundo, né?

E os ex-BBB, hein?

Outra turma que precisou se reinventar e, certamente, (a maioria deles) terá grandes desfalques no faturamento é a dos ex-BBBs. Geralmente, quem sai primeiro do programa já tem mais dificuldade de se manter na mídia. Dessa vez, quem saiu depois também vai ter que se esforçar muito pra conseguir se consolidar como influenciador. Isso porque, com o cancelamento ou adiamento dos eventos, eles perderam a chance de garantir os cachês de presença VIP típicos de quem participa do reality.

Alguns deles já saíram da casa com a imagem um pouco negativa e, por não poderem ter um contato mais direto com o público, podem perder o timing para reverter o cenário. Sem os eventos presenciais, os influenciadores de primeira viagem estão se virando nas redes sociais, fazendo e participando de lives e publicando posts patrocinados. No entanto, nem todos estão conseguindo fechar contratos com grandes marcas. 

Uma estratégia usada por alguns ex-BBBs que vi sendo criticada é a dos sorteios de iPhones e outros produtos. Basicamente, para participar, a pessoa tem que seguir mais 50 perfis (identificados como patrocinadores do sorteio). Para quem trabalha com marketing de conteúdo e redes sociais pensando em criar resultados sólidos a longo prazo, isso é quase um crime. Afinal, essas contas ganharão vários seguidores sem nenhuma qualificação para se tornarem consumidores — agora ou no futuro —, pois não estarão interessados no que esses perfis têm a dizer e, sim, no prêmio. O Felipe Pacheco comentou sobre isso em detalhes.

Entre os participantes que entraram anônimos, quem se deu bem mesmo foi a Marcela McGowan, que vendeu mais de R$ 1 milhão em acessos ao seu curso online sobre sexualidade feminina enquanto ainda estava na casa e parece estar conseguindo reconstruir a imagem do início do programa; e a Thelminha Assis, que além de vencer a temporada, está produzindo e sendo convidada para diversas lives, fechou boas parcerias publicitárias e, ainda, ganhou um quadro no programa É de Casa, na Globo.

O que, pra mim, deu certo

Tem gente que gosta de falar que “crises são oportunidades disfarçadas” e que “é nesses momentos que a gente mostra a nossa criatividade” etc. Não concordo 100% com essas afirmações porque acho que, às vezes, crises são só crises mesmo. Você pode aprender com elas, claro, mas tem hora que coisas ruins acontecem simplesmente porque acontecem. Tá no contrato da vida.

Dito isso, vi muita coisa legal surgir nas redes sociais nesses mais de dois meses e sei que essas ideias só viraram alguma coisa porque alguém pensou que elas seriam boas formas de lidar com a pandemia e tudo o que ela causa na gente. Se o coronavírus impactou o mercado, alguns creators souberam se virar muito bem. Além disso, muitos artistas e pessoas anônimas, que nem tinham a pretensão de influenciar alguém, começaram a fazer parte das nossas rotinas de isolamento.

Uma iniciativa que deu muito certo foi o programa Some Good News, do ator e cineasta John Krasinski. Como boa fã de The Office e do Jim Halpert, eu soube da ideia desde o começo, quando ele foi ao Twitter pedir que seus seguidores o enviassem algo de positivo que tivesse acontecido em suas vidas desde o início da quarentena. Com o intuito de focar em boas notícias, ele fez um canal no YouTube e criou uma paródia respeitosa de telejornal em seu escritório.

Com periodicidade semanal, o canal ganhou mais de 2,5 milhões de inscritos em apenas dois meses. O ponto alto foi o episódio em que John reuniu o elenco do seriado no Zoom para oficializar o casamento de dois fãs. No vídeo, os atores reproduziram a cena do flash mob da música Forever, do cantor Chris Brown, que marcou a cerimônia de Jim (John Krasinski) e Pam (Jenna Fischer). O enredo foi inspirado em um viral de 2009. Jenna foi a madrinha do casório virtual.

O ator encerrou o noticiário na semana passada, mas, logo depois, conseguiu vender o formato para a emissora CBS. Krasinski vai atuar como produtor executivo, mas não será o apresentador nessa nova fase.

Outra ideia interessante é a dos microinfluenciadores Jeska Grecco e Leandro Neko. Ela é conhecida por ser coautora da série O Livro do Bem e por integrar o trio do podcast Imagina Juntas, ele é músico e os dois são casados há um ano. Desde que entraram em quarentena, eles começaram a fazer o podcast Diário de Bordo, no qual, todos os dias falam (em episódios de 20 a 30 minutos) sobre as dores e as delícias de conviverem um com outro 24 horas por dia. Os tópicos já variaram entre tudo que se possa imaginar dentro de um universo de confinamento em casal e, mesmo para quem está passando a “carentena” solteiro(a), dá pra se reconhecer em várias das situações.

Voltando um pouco às lives, vários artistas continuam fazendo transmissões não patrocinadas pelo Instagram, como é o caso da sambista Teresa Cristina. Diariamente, às 22 horas, ela entra na rede do Tio Zuck para papear com o público e cantar, sem acompanhamento, músicas de seu repertório e de outros artistas. Algumas chegam a ter mais de 5 horas de duração e contam com a participação de diversos amigos da cantora. De uns tempos pra cá, elas começaram a ser temáticas, com músicas de novelas, sambas-enredos, homenagens a Rita Lee, Cazuza, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, entre outros.

Outras lives que têm valido muito a pena para quem “frequenta” o Instagram são a Isso não é Noronha, da atriz Maria Ribeiro, que acontece  todos os dias, às 19h30; o festival de aprendizagem Tamo Junto, da Perestroika; e (para quem foi adolescente no início dos anos 2000, como eu, e curte conteúdos nostálgicos), a atriz Samara Felippo está promovendo uma série de conversas com atores do elenco de Malhação, das temporadas de 1999 a 2001.

Pra finalizar, uma ideia que começou como uma brincadeira, mas já conta com 185 mil seguidores: o perfil Chefs na Quarentena. Um grupo de amigas resolveu aprender a cozinhar durante o isolamento e, quando as receitas não deram certo, elas criaram a conta para compartilhar os desastres e dar algumas risadas. Agora, vários chefs aventureiros mandam as evidências de suas tentativas frustradas no mundo da gastronomia e as administradoras fazem uma curadoria bastante divertida.

Não tem receita, mas dá pra saber o que não fazer

Uma das principais moedas de troca do marketing — especialmente o de influência — é a atenção das pessoas. Com a atenção se conquista a confiança. E, da confiança, vem a venda. Nesses dois meses e meio, muita coisa mudou. Os interesses e as prioridades das pessoas estão sendo repensados a cada segundo e o conteúdo que não gerar valor (seja ele informação, conscientização ou puro entretenimento) pode não sobreviver ao unfollow.

É um território inexplorado, mas, como os relatórios e pesquisas comprovam, existe um norte; e cabe aos criadores de conteúdo fazer testes e desafiar a própria criatividade diante das limitações de recursos e cenários do momento. E vale também usar e abusar do bom senso. O objetivo mais latente, de imediato, deve ser tentar criar conexões genuínas com as suas audiências.

Minha aposta é que a era do essencialismo chegou ao marketing de influência e, agora, mais que ‘forçar’ um estilo de vida autêntico, é necessário, de fato, ser verdadeiro com o público, compartilhar — principalmente — as vulnerabilidades e se mostrar pronto para ouvir e ajudar. Se o nicho precisava de um ponto de ruptura, ele chegou sem mandar aviso. As pessoas estão mais atentas do que nunca ao que consomem. E isso vale para o conteúdo e para os produtos.