De onde vem o interesse quase “religioso” dos millennials pelo trabalho?

Já parou para pensar em como você se apresenta quando conhece alguém? Geralmente, usa-se o nome e, em seguida, a profissão ou o lugar onde você trabalha. Principalmente se você tem menos de 40 anos. De acordo com um estudo recente do Pew Research Center, jovens estão se interessando menos por religiões e, consequentemente, transferindo seus sensos de comunidade, sentido e identidade para o trabalho.

Em reportagem para a Fast Company, o jornalista Jared Lindzon apresentou dados e argumentos que tentam identificar as origens e razões dessa tendência. Para Rachel Bitte, que é chefe de pessoas do software de recrutamento Jobvite — que recentemente publicou se relatório anual Job Seeker Nation —, colocar tantas expectativas no trabalho pode ser algo “fora da realidade”.

“Temos vidas espiritual e física, gostamos de ter estímulos intelectuais em nossas vidas, temos nossas comunidades e nossas famílias e amigos; os seres humanos são complexos, e ter um equilíbrio realmente saudável requer todos esses componentes. […] Esperar que tudo isso venha do seu trabalho pode ser uma expectativa irrealista”, ponderou.

Segundo Lindzon, ao longo da história, o trabalho era, geralmente, considerado um fardo e um meio para um determinado fim. O lazer, por sua vez, era não só a recompensa do trabalho, mas, também, a base da cultura e da sociedade. “Como resultado, muitos previram que a riqueza individual levaria a mais tempo de lazer, enquanto a riqueza da sociedade diminuiria a duração do dia de trabalho, eventualmente eliminando-a completamente”, escreveu.

Mas, o que aconteceu foi exatamente o contrário. De acordo com uma pesquisa compilada pelo jornalista da Atlantic, Derek Thompson, que também é autor do livro Hit Makers (link afiliado), em 2005, os 10% mais ricos dos homens casados dos Estados Unidos trabalhavam a maior média de horas já registrada. Em 1980, a média era a menor. “Eu sempre fui curioso sobre esse fenômeno; por que os ricos estavam optando por comprar mais trabalho, já que podem comprar o que quiserem? […] Ocorreu-me que eles estavam colocando o trabalho no topo do pedestal, e esse grupo de elites americanas […] tinha essencialmente substituído uma definição antiquada de Deus por uma nova definição de divindade, que foi o trabalho” contou à FC.

Insustentável

Para o professor de estudos do lazer da Universidade de Iowa e autor do livro Free Time: The Forgotten American Dream (link afiliado), Benjamin Hunnicutt, uma sociedade construída unicamente sobre o trabalho não se sustenta. “Trabalhar por definição, no mercado — que é um lugar de competição — é difícil [encará-lo] como um lugar que me parece para a cooperação, para a generosidade e doação, para a realização de toda a nossa humanidade. […] Por definição, até mesmo os melhores de nossos trabalhos são sobre competição, de superar as pessoas ao nosso redor”, argumentou.

Para ele, uma sociedade que elogia o trabalho é implacável em relação ao mundo natural e às outras pessoas. Muitos estudos, inclusive, apontam que o culto exagerado ao trabalho estaria por trás de muitas das tendências negativas que afetam os millennials e os trabalhadores de forma mais ampla.

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O workaholismo de performance virou tendência?

#ThankGodIt’sMonday, #RiseandGrind, #hustle. Vira e mexe, essas e outras hashtags “motivacionais” aparecem nos feeds de Instagram de empreendedores, empresários e freelancers. Esse apego pelo excesso de trabalho parece ter se tornado uma constante entre millennials. E é isso o que a jornalista Erin Griffith, especializada em startups e capital de risco, questiona em artigo recente para o New York Times.

Griffith parte de um acontecimento, a priori, corriqueiro para iniciar suas argumentações. Em setembro de 2018, um usuário do Twitter postou uma foto de uma sala da WeWork, uma empresa global de coworking, na qual o recipiente com água saborizada contém a frase “não pare quando se cansar, pare quando terminar” entalhada nos pepinos.

https://twitter.com/StevieBuckley/status/1040185357948608513

“Bem-vindo à cultura da pressa (hustle culture)”, escreve a jornalista. “Ela é obcecada com esforço, implacavelmente positiva, desprovida de humor, e – uma vez percebida – impossível de escapar”. Para ela, isso gera uma glorificação da ambição, que deixa de ser um meio para se alcançar um objetivo e passa a ser um estilo de vida.

Na página “Sobre” da produtora de conteúdo One37pm, por exemplo, está escrito: “O estado atual do empreendedorismo é maior que a carreira. É ambição, coragem, pressa. É uma performance ao vivo que ilumina a sua criatividade… uma sessão de transpiração que envia suas endorfinas […]”.

Ela destaca, ainda, uma sequência de tweets publicada por Elon Musk em novembro de 2018, aonde, para divulgar oportunidades de emprego de suas empresas, afirma: “Há lugares mais fáceis de trabalhar, mas ninguém mudou o mundo em 40 horas por semana. […] Mas, se você ama o que faz, (na maioria das vezes) não parece trabalho”.  

A jornalista questiona que, por esse ponto de vista, parar de se trabalhar não é uma opção e todas as demais atividades realizadas por uma pessoa, como se exercitar ou ir a um show, só são válidas se tiverem o propósito de inspirá-la no trabalho. Eventualmente, ela define esse comportamento como “workaholismo de performance”.

Os outros lados da moeda

Griffith comenta que o fato de nunca ter agradecido a chegada de uma segunda-feira poderia torna-la uma “traidora para sua geração”, mas são argumentos para mostrar os fortes traços de fraude dessa mentalidade são nada menos que sólidos. Para ela, “[…] convencer uma geração de trabalhadores a trabalhar duro é conveniente para quem está no topo”.

Seu ponto de vista é corroborado pela fala do empresário David Heinemeier Hansson, co-fundador do software de planejamento Basecamp. “A grande maioria das pessoas que batem os tambores da hustlemania não são as que estão, de fato, trabalhando. São os gerentes, financistas e proprietários. […] É sombrio e explorador”, afirmou em entrevista.

O pesquisador Aidan Harper, criador da campanha Demand a 4 Day Week na Europa, define o excesso de trabalho como algo desumanizante e tóxico. “Isso cria a suposição de que o único valor que temos como seres humanos é nossa capacidade de produtividade – nossa habilidade de trabalhar em vez da nossa humanidade”, disse à jornalista.

No final das contas, Erin Griffith conclui que essa cultura do trabalho excessivo e da pressa em ser bem-sucedido chegou a um ponto curioso: “A dura realidade de 2019 é que implorar a um bilionário por um emprego via Twitter não é considerado embaraçoso, mas uma maneira perfeitamente plausível de progredir. […] Se estamos condenados a trabalhar até morremos, nada nos impede de fingir que gostamos disso. Até mesmo nas segundas-feiras”, finaliza.

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Podcast: Precisamos falar sobre workaholismo

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Neste episódio o assunto é Workaholismo, o trabalho em excesso, ou vício em trabalho. A ideia desse tema surgiu quando o garoto Vinny Campos postou, lá no nosso grupo da Liga Oficial de Apoiadores do Aparelho Elétrico, um artigo dizendo que “trabalhar mais do que 39h/semana faz tão mal pra saúde quanto fumar”. Se a gente divir 39h por 5dias úteis, da menos de 8h por dia. Parece pouco, principalmente para quem tem o próprio negócio. Por que a gente se envolve tanto com o trabalho? O que isso representa? Onde esse esforço todo vai nos levar? Vamos bater um papo sobre isso e ver o que a gente consegue aprender com esse tema.

Dá o play aí e bom podcast para você! :)

Participantes deste episódio

Henrique Pochmann
Aparelho Elétrico
Carolina Walliter Freelancer em Tradução

Carol Walliter
Mulheres Que Escrevem
Pronoia Tradutória

Vinny Campos Vinny Campos
Studio Lhama

Timeline do podcast

Comentários

Programa

  • Artigo Trabalhar mais de 39 horas por semana faz tão mal quanto fumar
  • A diferença entre workaholic e workalover;
  • De onde vem essa onde que diz que é “cool” trabalhar demais?;
  • “Tenho que trabalhar” é uma desculpa socialmente aceita;
  • Sinas físicos característicos do excesso de trabalho;
  • Workaholismo forçado das agências;
  • Mensurar sua produtividade para combater o excesso de trabalho;
  • Por que essa necessidade de exaustão?;
  • O uso de celular fora do horário de trabalho;
  • Meditação para controlar ansiedade;
  • Quando a vida social vira a vida profissional;
  • Quem faz muita hora extra supostamente não está sendo produtivo quando deve;
  • Ser mais monotarefa e menos multitarefa pode ser positivo;
  • Por que se esforçar tanto?;
  • Entrevista PC Siqueira Pânico;
  • Trailer Filme Steve Jobs;
  • Gastamos como se vivêssemos em uma classe social acima da que a gente realmente pertence;
  • Vídeo Jout Jout – A falta que a falta faz;
  • Pais que não se envolvem com a criação dos filhos com a desculpa de estar trabalhando para colocar dinheiro em casa;
  • O desafio de dizer não e também de delegar tarefas;
  • Abrindo mão da mania de controle;
  • A percepção de finitude que a idade traz;
  • Pesquisa sobre o Perfil do Freelancer do Aparelho Elétrico;
  • Renda Mínima Universal x Renda Máxima Universal;
  • Zeitgeist – The Movie;
  • Zeitgeist – Addendum;
  • Zeitgeist – Moving Forward;
  • A tecnologia facilita a vida do ser humano para ele criar novas dificuldades;
  • No final das contas, é só trabalho;

Ficha Técnica

Data da Gravação: 21/02/2018
Arte da Capa: Thunder Rockets
Higienização do Áudio: Tomate Cereja

Como você tem lidado com o excesso de trabalho?

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