Letras dos testes de visão agora são uma fonte completa

Você sabia que as letras usadas por oftalmologistas para testes de visão não faziam parte de um alfabeto completo? A tabela de Snellen, criada pelo médico Hermann Snellen, em 1862, foi feita com letras em bloco e serifadas, que são o mais próximo do que vemos hoje nos consultórios. No entanto, ele se limitou a 10 letras que poderiam ser facilmente confundidas com outras, ou seja, que eram funcionais para o seu ofício.

Mais de um século e meio depois, a agência de design ANTI Hamar, da Noruega, criou uma fonte completa das letras dos testes de visão, chamada Optician Sans. “O objetivo [de Snellen] não era mostrar um alfabeto completo, mas medir a acuidade visual de um paciente. […] Então, algumas letras eram melhores, porque se pareciam com outras similares”, contou o diretor de arte Simen Schikulski ao jornalista Mark Wilson, da FastCompany.

O projeto surgiu quando a ANTI Hamar foi contratada para fazer o rebranding da Optician-K, uma empresa norueguesa de oftalmologia. Segundo a pesquisa feita pela agência, antes da tabela de Snellen, cada oftalmologista criava o seu próprio gráfico. No entanto, como não existia padrão, os testes não eram universais.

Optician Sans

Snellen construiu suas letras numa estrutura grid de 5×5, similar ao pixel. Cada bloco correspondia a um “minuto” (medida angular) do campo de visão do paciente, quando sentado a, aproximadamente, 6 metros da tabela. Quase 100 anos depois, a oftalmologista Louise Sloan redesenhou as 10 letras de Snellen, trocando algumas letras por outras. Esse padrão ficou conhecido nos anos 70 e é a base da famosa tabela LogMAR, presente nos consultórios até hoje.

A equipe da ANTI Hamar queria construir a nova marca da Optician-K a partir do padrão desenhado por Sloan. No entanto, muitas das letras que constam no nome da empresa, como “P”, “T”, “A” ou “I” não constavam na tabela. Então, eles decidiram completar o alfabeto e criar cada letra a partir do grid 5×5 original.

“Nós tomamos algumas liberdades em algumas partes e fomos muito conservadores em outras. Vimos que havia algumas inconsistências nas letras originais em termos de formas e tamanhos — como era esperado, já que elas foram criadas por oftalmologistas, não como uma fonte”, completou Schikulski. Ao final do projeto, o time achou interessante disponibilizar a criação para outros designers e médicos. Você pode fazer o download da Optician Sans aqui.

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[Abrindo a Caixa Preta] Róbsom Aurélio, criador da fonte Rooftop

 

#AbrindoACaixaPreta é a seção do Aparelho Elétrico onde a gente busca mostrar mais do que o olho pode ver. A ideia é desvendar detalhes e desafios dos bastidores de projetos foda.

Pra dar o pontapé inicial neste novo espaço, conversei por e-mail com o Róbsom Aurélio, o Mindú. O cara criou a fonte Rooftop que é baseada nas pixações feitas com rolinhos de tinta. Com perdão do trocadilho, rola aí pra baixo e vem saber mais sobre essa história.

 

[Aparelho Elétrico] Gostaria de começar pedindo pra você se apresentar. Do ponto de vista profissional, quem é o Róbsom Aurélio e de onde vem o apelido Mindú?

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[Róbsom Aurélio/Mindú] Sou um estudante de Design da UnB, estagiário no TJDFT atualmente, ilustrador, freelancer e me considero um designaholic. Sou muito apaixonado pelo que faço e fascinado pelo poder de transformação que o designer tem em mãos. O apelido Mindú vem do graffiti, arte que pratiquei por um bom período da minha vida, mas que atualmente estou mais admirando e me inspirando do que praticando.

 

A Rooftop é uma fonte baseada na pixação feita com rolinhos de tinta. Você me contou que o projeto não faz apologia ao vandalismo. Por que criar uma tipografia associada a uma prática tão condenada pela sociedade?

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O fato de ela ser uma prática condenada pela sociedade não exclui o fato de a pixação constituir um sistema complexo de códigos e comunicação, com uma variação de estilos nas letras, formas, maneiras de se aplicar a tinta, materiais utilizados e outras coisas. Ela varia muito de região para região, varia conforme o contexto social no qual está inserida, enfim, para muitos não é um hobbie e sim um estilo de vida. E como tal, fica a questão, porque ignorá-la? Acredito que o aspecto formal desse tipo de escrita seja mais digno de atenção do que o preconceito dirigido à ela.

 

Em função do projeto, você vem conquistando uma certa atenção para a sua carreira. Já inclusive apareceu em alguns blogs especializados. Como tem sido a aceitação da imprensa a esse projeto? Satisfatória?

Estou muito feliz com a aceitação do projeto, têm sido bem satisfatória. Até mais do que eu esperava. Foi o feedback positivo de minha então professora e de meus colegas de classe que me fez levar esse trabalho adiante. Na verdade, minha pretensão inicial era passar na matéria com uma boa menção, mas depois de ter conseguido isso vi que poderia ir além. Nas férias dei continuidade a fonte, fazendo mais caracteres.

Publiquei esse trabalho no Behance no mesmo dia do evento Behance Portfólios Review Brasília e lá eu tive uma boa avaliação de meu portfólio, ganhei até a medalhinha “Behance Appreciation Award”, isso me animou bastante. O pessoal gostou muito da fonte. Quando percebi, estava recebendo elogios não só de designers, mas também de ilustradores, pixadores e graffiteiros. Enfim, até dono de tipografia do exterior (imprensa tipográfica) veio me parabenizar.

Dia 6 de junho agora o projeto apareceu em destaque na galeria com curadoria para design gráfico do Behance, dando bastante visibilidade no exterior. Em breve ela estará concorrendo no LAD (Latin America Design Awards) e vai ser bem bacana participar de algo dessa magnitude.

Atualização 18/07 às 19h27min: Infelizmente a inscrição da fonte Rooftop não foi possível no LAD pois a organização só aceita projetos que foram desenvolvidos para um cliente.

Você sofreu algum tipo de ofensa ou retaliação por ter criado este projeto?

Não, mas sou todo ouvidos para conversar com alguém que tenha uma opinião negativa a respeito da fonte.

 

Vi que a Rooftop é muito bem acabada. Inclusive você dedicou atenção aos acentos e cedilha. É a sua primeira experiência criando uma tipografia?

Rooftop-gif

É a primeira vez que crio algo do tipo, sem trocadilhos. Criar letras para escrever meu apelido em forma de graffiti foi uma constante na minha vida, mesmo que muitas vezes não saísse do papel, mas criar uma fonte foi bem diferente, até porque eram todas as letras e muitos outros caracteres que nunca havia experimentado. Mas definidos os módulos, que seriam utilizados na fonte com base nos movimentos executados pelos pixadores ao usar o rolinho no extensor, isso se tornou mais simples.

Visei a legibilidade, pois a intenção da fonte é ser usada em curtas legendas, logotipos, e afins, uma fonte para display. Confesso que trabalhar com uma função que não é só estética foi bem motivador para mim.

 

Como você se organizou para concluir a fonte? Trabalhou sozinho? Definiu etapas? Qual o prazo que você tinha? Conta um pouco como foi o decorrer do projeto.

A primeira parte do projeto (letras do alfabeto e números) eu fazia nos finais de semana e em algumas aulas, que era quando tinha tempo. As etapas foram:

  • Criação do conceito;
  • Desenvolvimento das letras no papel normal;
  • Criação das letras no papel quadriculado;
  • Definição dos módulos;
  • Experimentação no software e construção das letras no mesmo.

Todas essas etapas foram intercaladas com testes, claro. O prazo era de cerca de um mês, se não me engano. Nas férias seguintes à apresentação do trabalho, dei continuidade ao projeto acrescentando ligaturas, acentos e demais caracteres.

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Como foi colocar a mão na massa… você fotografou as pixações trouxe as fotos para um software e redesenhou as letras e números? Você conseguiu imagens de todos os caracteres ou, em algum momento, teve que seguir sua própria intuição?

Eu já tinha um conhecimento razoável das formas das letras de pixação devido à observação, reparo em quase tudo que é escrito nas ruas, desde propagandas a declarações de amor. Até pouco tempo atrás eu ainda morava no Goiás. Pra chegar na faculdade, trabalho, etc… eram muitas horas de viagem. Então, pixação era o que não faltava aos meus olhos.

Na realidade, as fotos que tirei serviram mais para ilustrar o que eu estava fazendo do que para servir de base para a construção do alfabeto.

Além da observação, tem o fato de eu já ter feito graffiti com extensor, o que facilitou a compreensão de como determinadas formas e contrastes surgem conforme determinados movimentos e quais são os movimentos mais utilizados para se escrever com esse instrumento.

font-rooftop-mindu-type-face-rolinhos-de-pixacao 

Falando agora um pouco de “negócios”. Você optou por disponibilizar a fonte gratuitamente. Não seria interessante comercializar? Por quê?

Bom, ela é free para uso pessoal, mas não comercial. Pode ser bem útil para coletivos, grupos culturais, designers que se identificam com essa pegada urbana e tem interesse de passar determinada ideia com esse estilo. É uma honra ser útil para esse tipo de iniciativa. Acho que se essa fonte conseguir fortalecer algum movimento cultural na periferia, será muito bom.

Mas claro, se um canal milionário de televisão, por exemplo, quiser se apropriar dessa fonte (que não nasceu da noite para o dia), vai ter que pagar pelo meu trabalho. Afinal, eles ganharão dinheiro com isso.

Também penso o seguinte, como essa foi minha primeira fonte e eu ainda não sou um tipógrafo profissional, disponibilizá-la gratuitamente poderia ser uma boa forma de conseguir atenção para meu trabalho, como um todo.

 

fonte-rooftop-mindu-completa 

 

Pensa em desdobrar a Rooftop em uma família tipográfica? Se não, ao menos pensa em continuar atuando na criação de tipografias? Você acha que é um mercado rentável?

No momento não. Mas farei umas atualizações nela, corrigir uns detalhes por enquanto. Penso em criar a versão em negrito, que no caso seria inspirada numa pixação feita com rolinhos mais largos. Eu quero criar mais fontes, mas não vou forçar nada por agora, deixarei para trabalhar nisso quando surgir alguma ideia bem criativa.

 

Se você tivesse que refazer esse projeto com o conhecimento que tem hoje, você faria algo diferente?

Além de procrastinar um pouco menos eu estudaria mais a ferramenta (Fontstruct) antes de começar a usá-la, mesmo sendo bem simples. E procuraria conhecer outras ferramentas também.

 

Róbsom, muito obrigado pelo tempo dedicado pra conversar com a gente e parabéns pelo trabalho. Você gostaria de deixar algum link pro pessoal te acompanhar?

Eu que agradeço, Henrique! É uma grande honra mostrar um pouco do meu trabalho e processo num site que tanto colabora conosco, freelancers e profissionais criativos. Espero que inspire muita gente a enxergar grandes oportunidades e também boas soluções em coisas do cotidiano. Deixo o link do meu perfil no Behance, lá vocês encontrarão alguns dos meus trabalhos e os links para minhas demais redes sociais.

Super abraço a todas e a todos!

 

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Finalizando…

O que você achou desta entrevista? Já pensou em explorar esse mundo das tipografias? Vamos continuar esse papo na caixa de comentários abaixo.

Na seção inspiração você encontra mais projetos legais como esse.

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