A ascensão e a queda de Marcela (no BBB e no Instagram)

Quando o BBB 20 começou, em meados de janeiro, muitos de nós fomos instigados a assistir por causa da dinâmica inusitada apresentada por Boninho, Tiago Leifert e cia. para esta edição comemorativa do programa. A ideia de juntar anônimos e influencers na “casa mais vigiada do Brasil” não só atiçou as expectativas dos fãs do reality como alavancou o fluxo de seguidores dos convidados pra frente da TV.

E o novo formato também se mostrou interessante para quem trabalha com conteúdo, visto que estratégias de marketing elaboradíssimas começaram a ganhar a internet. Manu Gavassi, Bianca Andrade e Pyong Lee — que já tinham audiências parrudas no Twitter, Instagram e YouTube — deixaram vídeos, clipes musicais, ensaios fotográficos de looks usados na casa, posts patrocinados, anúncio de turnê e narrativas inteiras prontas aqui fora.

Mas foi o posicionamento de marca de uma das participantes — até então — anônimas que mais me chamou a atenção: o da médica Marcela McGowan. Ao que me parece, ela foi a única entre os desconhecidos a entrar no programa com algum planejamento prévio mais estratégico, tanto para o jogo quanto para as redes sociais.

No momento de sua entrada, ela afirmou ter (em uma conversa dentro da casa) 26 mil seguidores no Instagram. Isso indica que a sister já tinha certa influência na rede, enquadrando-se na categoria dos microinfluenciadores (aqueles que têm entre 10 mil e 100 mil seguidores).

 
 
 
 
 
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O fato de já ter uma considerável audiência explica o perfil de Marcela já contar com uma identidade visual definida, slogan próprio com hashtag (#DraUnicornio) e algumas séries de conteúdo. Analisando o perfil, nota-se que essa guinada é recente, iniciada no segundo semestre do ano passado (possivelmente em meio ao processo de seleção do BBB), e é justificada pelo lançamento de seu curso online “O Prazer é Todo Meu”, voltado para sexualidade feminina — uma de suas áreas de especialização.

Até esse ponto, os posts eram de cunho mais pessoal (apesar de ter fotos muito bem produzidas), porém, já com algumas reflexões sobre a bandeira que impulsionou sua ascensão meteórica nas primeiras semanas e, agora, catalisa a queda de sua popularidade no programa e, também, nas redes: o feminismo.

[Antes de continuar, quero destacar que não é meu papel, e nem a intenção do texto, julgar a conduta da Marcela ou de qualquer outro participante do BBB. Muitas coisas aconteceram por lá — inclusive, casos de polícia —, mas o objetivo aqui não é “cancelar” ninguém (essa tarefa deixo pro pessoal do Twitter e, em algumas situações, pra justiça). O BBB tem sido a alienação que tem salvado a sanidade de muita gente nesse início de ano kamikaze (oi, coronavírus e dólar a R$ 5,00). Então, acho que vale tentar interpretar alguns comportamentos e tirar algum conhecimento ou aprendizado dessa loucura toda 😉]

O famigerado teste de fidelidade

Marcela entrou na casa com um personagem montado. Não digo isso como algo ruim, pois ela sabia muito bem quais de suas características e habilidades queria mostrar no programa e projetar em suas redes. Já em sua chamada, antes do reality começar, rotulou-se como feminista e destacou seus focos profissionais, deixando claro que não hesitaria em tretar com os “héteros top”. Ela também se apresentou ao público como bissexual.

 
 
 
 
 
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Logo na primeira semana, já assumiu alguma notoriedade, sendo responsável — junto com suas aliadas Gizelly e Thelma — pela ida de Lucas Chumbo (primeiro eliminado) ao paredão. Na semana seguinte, ao buscar (novamente com Gizelly) outros aliados para o jogo, se viu presenteada pelos “machos” da casa com uma narrativa que parece ter sido desenhada a mão para sua estratégia: o teste de fidelidade com as “famosas comprometidas”.

Graças a esta tática falida, a médica foi acolhida pelo público e se tornou a participante anônima de BBB a chegar em menos tempo à marca de 1 milhão de seguidores. Feito alcançado com 13 dias de programa. No dia seguinte, ela ultrapassou a contagem dos 2 milhões. E continuou crescendo, passando dos 4 milhões em outras poucas semanas.

O cavalo-de-troia da Casa de Vidro

Como era de se esperar, o plano dos homens gerou conflitos. Mas, devido às acusações atribuídas ao ginasta Petrix (segundo eliminado), a saída de Hadson (participante responsabilizado pelo teste) acabou sendo adiada. Assim, o público encontrou uma maneira de avisar as mulheres que a estratégia machista realmente existiu: enviar as informações para dentro da casa com a ajuda dos participantes na Casa de Vidro.

Daniel e Ivy entraram, passaram a resenha da eliminação de Petrix — entre outras coisas — e o plano maligno foi desmascarado. O que o público não esperava — e Marcela e sua equipe de marketing também não — era que ali seria o ponto de virada da popularidade da “fada sensata” (expressão que, inclusive, tem que acabar!). Isso porque as informações de fora começaram o desfecho de narrativa mais longo (creio eu) da história do programa.

O grupo de meninas que acreditaram na história do teste de fidelidade desde o começo se aliou a Pyong e aos mensageiros recém-chegados para fazer uma fila de eliminação dos “machos escrotos”; uma jornada de ao menos um mês de programa, considerando que ainda faltavam quatro deles para darem adeus ao jogo.

Ironicamente, foi nesse momento que Marcela atingiu o ápice de seu favoritismo. Com a história devidamente corroborada, o caminho estava aberto para que ela fosse a “cabeça” da pauta feminista. Suas falas começaram a ser divulgadas à exaustão por sua crescente torcida, e logo foram reproduzidas por influenciadores, artistas e até mesmo políticos aqui no mundo real. Não demorou para ela ser considerada a campeã antecipada da edição.

Na web, sua equipe cuidava de enaltecer suas atitudes na casa, levantar hashtags no Twitter, interagir com o público, comemorar as metas de seguidores, vender cópias do curso online e até mesmo agendar a presença dela em eventos marcados para depois que o programa terminasse. Isso, vale destacar, sempre utilizando conteúdo previamente planejado e produzido, intercalado às oportunidades de postagens engatilhadas pelo roteiro do BBB.

Só que o tombo veio para Marcela — e mais rápido do que todo mundo esperava. Não precisa ser um(a) grande contador(a) de histórias pra perceber que a linha de raciocínio do grupão ia dar errado: narrativa nenhuma — considerando a estrutura de um reality como o BBB — dura tanto tempo para ser resolvida após o clímax. O conflito foi desvendado, os vilões foram desmascarados e, mesmo que nem todos tivessem “pagado pelo crime” ainda, os produtores precisavam manter o público entretido. Ou seja, novas narrativas surgiram e/ou foram criadas.

De fada a falsa sensata

Depois de descobrir que já havia conquistado mais de 2 milhões de seguidores no Instagram e que o público confiava em sua versão dos fatos, a participante engatou um romance com o mesmo Daniel que lhe trouxe as boas novas. O relacionamento não agradou por dois motivos: muita gente esperava que Marcela e Gizelly formassem um casal (#Gicela) e, além disso, o novo habitante da “nave louca” acabou decepcionando o público em vários outros aspectos.

Segura de que é adorada aqui fora, acreditando na estratégia — convenhamos, super batida — de “formar casal” e crente de que não vai para o paredão tão cedo pois os demais competidores a consideram forte no jogo, a médica mudou de postura e acabou trocando o repertório didático que colocou o feminismo no centro das atenções no início do programa por outro que não foi bem recebido por quem assiste.

“No momento em que termino esse texto, ela já perdeu quase um milhão dos seguidores…”

Nas últimas semanas, sua popularidade tem caído quase que com a mesma força e velocidade que a levaram ao topo no passado. E as acusações sobre sua conduta ficaram ainda mais sérias: comentários racistas e gordofóbicos direcionados a Babu Santana foram atribuídos a ela, assim como falar mal de aliados pelas costas e não repreender as infrações que Daniel comete diariamente no jogo.

A última gota foi na semana passada, quando contradisse toda sua jornada ao “passar pano” para uma fala machista do namorado e, ainda, colocar em xeque os sentimentos de outra mulher, a Flayslane, que se sentiu ofendida pela frase. Não é de hoje que Marcela é chamada de “feminista de Taubaté”, “militante de telão” e hipócrita nas redes sociais. No momento em que termino esse texto, ela já perdeu quase um milhão dos seguidores que conquistou e amarga as últimas posições em todas as enquetes que tentam estimar o pódio do BBB 20.

Finalmente, os refrescos!

Ok, agora que a fofoca está mais ou menos explicada (rs), o que dá pra aprender com tudo isso? A meu ver, Marcela teve uma grande sacada ao entrar no BBB com uma estratégia de marketing e isso deve ser reconhecido. Vale lembrar, inclusive, que ela não sabia que estaria competindo com pessoas famosas. Isso mostra que ela já estava pensando além da notoriedade passageira do programa. Hoje em dia, o BBB é jogado também na internet e é importante planejar estrategicamente como conquistar esse espaço e se manter nele depois que o reality acaba.

Mas isso também tem seu lado negativo: os participantes não estão mais à mercê apenas da edição e do público seleto que acompanhava o pay per view anos atrás. Com as redes e o próprio Globoplay (serviço de streaming da emissora que é mais barato e acessível que TV por assinatura), há pessoas que ficam acompanhando milimetricamente tudo o que acontece na casa.

Em tempos de ostentação da lacração, todas (sem exagero, TODAS) as falas e atitudes dos participantes — positivas e negativas — são inflamadas na web e viram munição na guerra entre as torcidas. Em sete semanas, todos eles já foram “cancelados” pelo menos uma vez. Se não me engano, a única exceção é a Thelma.

Enquanto Marcela comprou a ideia de que venceu o programa na segunda semana, outras histórias foram criadas e exploradas pelos demais participantes. Felipe Prior (o último dos “machos escrotos”), por exemplo, assumiu uma narrativa de justiceiro solitário, perseguido pelo grande grupo, e iniciou seu arco de redenção. Junto com Babu, seu único aliado no jogo (também isolado e excluído na casa), o arquiteto que tinha seu destino traçado quando os “vidraceiros” entraram na competição é o novo favorito ao prêmio, assumindo o posto que um dia foi da ginecologista.

Creio que ela entrou com a carta do feminismo da manga, mas não pensava que esse arco entraria no roteiro (e se resolveria) tão cedo no jogo — apesar de que era óbvio que esse embate ocorreria, considerando os perfis da maioria dos homens selecionados. O rótulo da “fada-sensata-perfeita-sem-defeitos-que-não-erra-nunca” foi atribuído a ela com o aval do público. Disso, em si, ela não tem culpa. Mas deveria ter assumido a responsabilidade de se manter coerente com o discurso que planejou priorizar em sua passagem pelo reality.

Me arrisco a dizer que nenhum envolvido no desenvolvimento da estratégia dela esperava uma ascensão tão grande; e nem uma queda tão forte. Depois que tudo desandou, a equipe de Marcela não soube gerenciar a crise: tentam sempre amenizar ou reinterpretar seus deslizes. A parte mais difícil, acredito, é alinhar o que está acontecendo lá dentro com o que foi planejado aqui fora e ainda tomar todas essas decisões sem que ela tenha voz ativa, por estar confinada. Tem muita coisa que realmente não dá pra prever, mas o público — de maneira geral — não gosta de quem se esquiva dos erros que cometeu.

No final das contas, o BBB é um jogo de convivência e um programa de entretenimento. E seu público não quer apenas ser entretido, ele quer coerência, uma bela trajetória, conteúdo fresco e autenticidade todos os dias, por três meses. Assim como o público das redes sociais. No médio prazo, mesmo com planejamento, Marcela não conseguiu cumprir bem nenhum desses requisitos porque fez uma leitura equivocada da intenção do público com os recados da Casa de Vidro.

Assim, deu o jogo por vencido e, sem perceber, deixou seus defeitos e contradições guiarem a maior parte de sua jornada e dominarem seu discurso. É aquela história: quem tem muitas certezas, na verdade não sabe de nada. Como diria Dona Silvana, “o calado vence”.