Moda é um assunto que não cabe em uma única definição. Muito além do ato de se vestir, moda tem a ver com comportamento, com tempo e espaço, com história e estilo. Por um lado, é um fenômeno sociocultural que manifesta os valores de uma sociedade: seus costumes, hábitos e as maneiras como cada um usa as suas roupas. Por outro, é um sistema que agrega contextos políticos, sociológicos e sociais ao uso diário e rotineiro das vestimentas.
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A moda passou por muitas mudanças desses os seus primórdios e, também, por muitos momentos marcantes. Como vários outros aspectos da vida, ela está em constante mutação, tanto como uma manifestação de identidade cultural e personalidade quanto como indústria. E, mesmo com o surgimento de novas formas de produzir e comercializar roupas, essa dinâmica continua verdadeira.
Um exemplo disso são os brechós online. Talvez, o caso de sucesso mais famoso do nicho seja o da empreendedora Sophia Amoruso, que começou a vender roupas usadas no site de leilões eBay, em 2007. Sua loja, a Nasty Gal, deslanchou, ganhou espaço físico e acabou dando origem a um império milionário que, hoje, é liderado pela marca Girlboss, que já rendeu um livro e uma série na Netflix.
Mas, nos últimos anos, outra plataforma despontou como principal ponto de divulgação e vendas para brechós online: o Instagram. Os perfis, de maneira geral, apresentam uma curadoria de roupas “garimpadas” em bazares de bairros, igrejas ou instituições de caridade, bem como de outras lojas. As peças são lavadas, reformadas (se necessário) ou utilizadas como base para uma nova criação. As fotos são criativas e bem produzidas. E os textos das legendas vão de descrições detalhadas da peça e de onde elas vieram a dicas de moda.
Modus operandi
A rotina de quem comanda um brechó online é atarefada. Entre procurar as peças em bazares e feiras, recuperá-las e/ou modificá-las, produzir as fotos e posts, interagir com público do Instagram, cuidar da logística de vendas e fazer o atendimento ao cliente, vão-se muitas horas de trabalho.
Ingrid Thainá, que comanda o perfil Melhores Panos (@melhorespanos), faz tudo isso sozinha, o que toma praticamente todas as horas do seu dia. “Garimpo as peças em bazares beneficentes da minha cidade e, dependendo do estado, faço modificações. Depois tem o processo de lavar a peça, tentar tirar possíveis manchas etc. Envio as roupas pelos Correios e, se a pessoa for da minha cidade, entrego em mãos. Faço tudo por conta própria, não tenho ajuda de ninguém. Porém, fico resolvendo coisas do brechó 24 horas por dia”, contou.
Ela mora em Marília, no interior de São Paulo, e afirma passar todas as medidas das peças e enviar fotos de todos os detalhes antes de fechar a venda, a fim de evitar a necessidade de trocas. Em Goiânia, o Empório Armário (@emporioarmario_) propõe uma parceria com a clientela, que também pode vender roupas para o brechó. Desde que começou, há sete anos, a loja possui um espaço físico no centro da cidade e trabalha tanto com roupas garimpadas — inclusive em outros países, como Portugal, Espanha e Estados Unidos — quanto com outlet, ou seja, roupas recuperadas.
“Geralmente, as marcas têm o hábito de queimar todo o seu excedente, o que não foi vendido ou tinha defeito de fabricação. Agora, algumas marcas estão tendo uma consciência ambiental [maior] e revendem essas peças. Antes elas incineravam porque a venda desse ‘subproduto’ acaba diminuindo o valor de mercado da roupa. […] Mas algumas marcas, como a Cantão e a Farm, têm revendido esse excedente pra gente”, explicou a proprietária Thaís Moreira.
Com essas peças, é feito um trabalho de recuperação. Há roupas que chegam no brechó rasgadas ou sem botões, outras estão desatualizadas ou fazem parte de uma proposta que não deu certo. Nestes casos, o tecido é aproveitado para produzir algo diferente: “O que era uma blusa vira uma saia, um vestido vira uma roupa infantil. Usamos a técnica do upcycling, que é dar um novo valor a um produto que estaria perdido”.
À frente do perfil É de retalho o meu brechó (@ederetalhoomeubrecho), Karina Soares também gere uma “operação de uma mulher só”. Ela divide seu negócio entre os achados e as suas próprias criações, abrigadas em sua segunda página, a Minha Costura Arteira (@minhacosturaarteira). “Desde o início foi uma relação entre costura e brechó. Eu fazia roupas à mão, para mim, com coisas que cortava da minha mãe e amava comprar em brechó. Assim, comecei o meu”, revelou.
Ela mora em Sorocaba, em São Paulo e, para otimizar sua rotina, não faz troca das roupas usadas: “Vendo-as passando as medidas para que cada cliente tenha mais noção do que está comprando. Faço trocas apenas das costuras artesanais. As pessoas depositam na minha conta o valor da peça e do frete ou pagam via PicPay, com cartão de crédito”.
Autenticidade é identidade
Um tema recorrente no nicho de mercado dos brechós de Instagram é a autenticidade de cada loja. Os perfis carregam muito da personalidade de suas donas — o que é, em si, uma característica do universo da moda. No entanto, a maneira como cada loja se mostra na plataforma parece oferecer um ambiente propício para que o público-alvo se sinta “em casa” e se identifique em um nível mais pessoal com as peças.
Ingrid, por exemplo, teve a ideia de criar o Melhores Panos para fazer o que via nos brechós de sua cidade chegar a outras pessoas. “Sempre frequentei muitos brechós e olhava peças legais que eu não usaria, porém pensava que alguém poderia usá-las”, contou. Já Karina, faz de sua loja uma fiel e completa representação de sua personalidade: “Muita gente comenta que pareço estar fantasiada [nas fotos] e coisas do tipo, [mas] essa sou eu. E uma porcentagem grande gosta do que eu trago. […] Quando eu visto a peça, à minha maneira, ela ganha um aspecto totalmente diferente. E sou grata por isso, e muito!”.
No Empório Armário, Thaís investe na curadoria e na apresentação das peças, no relacionamento com a clientela e em promover eventos. “Tem uma seleção bem legal de peças. É um brechó limpo e organizado. Trabalhamos nas redes sociais e, também, transversalmente com o nosso cliente: em um momento ele compra da gente, em outro ele vende para a gente, em outro ele vende junto com a gente. Também promovemos eventos, como a nossa Feira de Trocas, que já vai completar 8 anos, o Encontro de Brechós, o Desapego Coletivo e o Mercado das Pulgas”, enumerou.
Instagram, pra que te quero?
Como não poderia deixar de ser, o Instagram é peça fundamental no modelo de negócio dos brechós online. Thaís e Karina começaram utilizando o Facebook, mas acabaram migrando quando perceberam que seus públicos não estavam mais lá. O fato da rede ser focada em fotografia é um dos diferenciais que provocaram essa debandada, além de ser um ambiente mais propício para conteúdos criativos e de consumo rápido, visto que a impossibilidade de colocar links nas legendas incentiva a criação de textos informativos, porém, curtos.
No caso de Thaís, que tem uma loja física, o Instagram continua sendo crucial, assim como o WhatsApp: “Nosso ponto comercial não é aquele que abre a porta e espera o cliente chegar. Captamos nossos clientes pelas redes sociais e pelo boca-a-boca”.
Mas, nem tudo são flores dentro da plataforma. “O Instagram é tudo [para o meu brechó], apesar de ter uma relação de amor e ódio com ele por conta do engajamento. Se não tivesse ‘Insta’, não teria loja. Mas, às vezes penso em abrir um site por conta disso. Tenho medo de dar algum problema e estragar meu negócio. Por outro lado, ele é perfeito para vendas, com os Stories e tudo mais. Acho a plataforma legal para isso”, argumentou Ingrid.
Para lidar com o algoritmo, os perfis investem na produção e edição das fotos e, também, buscam manter a frequência das postagens e a qualidade que o público espera do conteúdo. Uma das principais causas dessa abordagem é a grande oscilação do engajamento quando não se injeta dinheiro na plataforma, impulsionando as postagens.
A ocultação das curtidas do Instagram, ocorrida há alguns meses, no entanto, não parece ser um problema para as lojas. Para Thaís, a baixa no engajamento já vinha ocorrendo desde antes da nova medida entrar em vigor. “Acho que diminuiu um pouco a vaidade, nesse ponto foi ótimo”, afirmou. Karina, por sua vez, não notou mudanças em sua página desde que começou a trabalhar com o Instagram. E Ingrid diz se sentir mais livre para postar as fotos sem se preocupar em ficar comparando a quantidade de curtidas com as de outros perfis do nicho.
E o mercado?
Apesar do boom de interesse pelos brechós, é comum que eles enfrentem dificuldades para se estabelecerem, especificamente em relação aos preços. “Fazer com que as pessoas percebam que o trabalho dos brechós não é um hobby é difícil. Ele sustenta pessoas, ele me sustenta. […] Assumir responsabilidades com as pessoas é algo enorme, gostaria que levassem isso um pouco mais a sério”, desabafou Karina.
“As pessoas acham que brechó tem que ser muito barato porque é ‘resto’, tem aquela ideia antiga e fixa de que a única maneira de um brechó existir é com um monte de entulho e com tudo até 10 reais. Mas, mesmo esses brechós [mais populares] estão se reformulando, até porque é um mercado que tem crescido e tido mais aceitação”, complementou Thaís.
Do ponto de vista da sustentabilidade, o trabalho dos brechós se encaixa no conceito da Economia Circular (vídeo acima), criando novos ciclos de uso para produtos que seriam, a priori, descartados. Além disso, o modelo de negócio gera uma maior distribuição de renda, contribuindo para um cenário menos consumista e mais autêntico na indústria da moda.
“Estamos colocando novamente na praça peças que talvez ficariam esquecidas e que estão em ótimo estado, além de serem super estilosas. Quando você compra no meu brechó (e acho que isso acontece na maioria dos brechós, na verdade) você não está só me ajudando a ter uma renda, está ajudando a instituição de caridade X ou o asilo Y, que foi onde eu comprei essas peças para revender. Você dá uma nova chance a uma peça e ninguém vai ter outra igual a sua, isso é tão legal que nem sei explicar”, relatou Ingrid.
Karina também se preocupa com a questão do consumismo, mas acredita que sua loja promove um consumo consciente, “de peças que não viraram lixo, não viraram entulho. Elas ganharam novas histórias, aumentando sua vida útil”. Para Thaís, trata-se da compreensão do ser humano de que o desperdício impacta o ambiente no qual ele vive: “Trabalhamos com empoderamento feminino, com a compra certa de um produto de qualidade e durável, que não vem só com modismos e comodismo. A gente quer que a pessoa identifique a sua peça, seu estilo e seja feliz”, finalizou.
Você já comprou em algum brechó online?
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