O que Beyoncé, Anitta, Izabella Camargo e 1/3 dos trabalhadores no Brasil tem em comum
Carol Miltersteiner
Burnout e a Relação com o Trabalho
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O que Beyoncé, Anitta, Izabella Camargo e 1/3 dos trabalhadores no Brasil tem em comum

Por que ainda falamos pouco sobre a síndrome de burnout? Essa epidemia silenciosa vem afetando a população brasileira e mundial, não poupando gênero ou classe social.
  Por Carol Miltersteiner
Foto: Pexels

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Recentemente, o termo burnout (ou burn-out) tem sido pauta de notícias, eventos e conversas em diversos lugares do mundo. O termo já é usado há quase 50 anos para descrever o esgotamento emocional e físico causado por estresse crônico. Os números são alarmantes: estima-se que 32% dos trabalhadores brasileiros já sofram com os efeitos da síndrome. No entanto, ainda são pouquíssimas as pessoas que falam abertamente sobre o tema.

Veja também:
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Podcast: Burnout e a glorificação do excesso de trabalho;

Até mesmo quando celebridades, como Anitta e Beyoncé, são afastadas do trabalho para tratar de sintomas causados pela síndrome, ela não é abertamente nomeada. Fala-se em depressão, exaustão, ansiedade, mas raramente fala-se em estresse crônico e sobrecarga de trabalho como a causa desses adoecimentos

A jornalista Izabella Camargo, que foi demitida da Rede Globo ano passado ao retornar de licença médica por burnout, é uma das poucas pessoas no mundo inteiro que assume publicamente, com todas as letras, que sofreu e sofre com as consequências do burnout. Izabella tem quase 300 mil seguidores no Instagram e fala sobre sua experiência com muita franqueza. 

Por que relatos como de Izabella ainda são raros? Como pode conhecermos tão poucos que sofrem da síndrome de burnout, se ela tem afetado a saúde de um a cada três trabalhadores?

Quem ganha com o silêncio?

Escrevo e falo sobre a minha história com burnout há pouco mais de um ano (inclusive aqui no Aparelho), e as reações ainda surpreendem. Pessoas que não imaginavam que, quando eu trabalhava sem parar e me isolava das pessoas, eu enfrentava uma depressão. Pessoas que não faziam ideia de que já sofri crises de pânico, que precisei de ansiolítico sublingual para andar em aeroporto. Pessoas que leem o que escrevo e se identificam, mas me contatam por mensagem privada para não expor seu perfil publicamente. Ouço as histórias de amigos e conhecidos que enfrentam questões muito parecidas, mas não confiam em quase ninguém para se abrir.

Existe um medo velado, não dito. Medo de parecer frágil demais e, com isso, perder oportunidades, perder promoções, ou até mesmo perder o emprego. 

É preciso que tenhamos a compreensão de que a burnout é ativada e influenciada por três fatores: individual, organizacional e social / cultural. Estar lidando com os sintomas da síndrome diz algo sobre essas três esferas:

  • Individual: diz respeito à sua capacidade interna de lidar com o estresse e emoções, a um comportamento workaholic e ao estado de suas relações pessoais;
  • Organizacional: fala da capacidade da empresa de respeitar os limites físicos e emocionais dos colaboradores, de ter uma visão clara, lideranças competentes, postura ética e aversão à práticas abusivas;
  • Social / Cultural: é influenciada pela situação econômica do seu Estado ou país, pelo nível de desigualdade social e pelos reforços de glorificação do excesso de trabalho.

Note que é um problema complexo, longe de ser culpa apenas do indivíduo, ou apenas da organização. E é pela natureza multifacetada da burnout que ela permanece sendo uma epidemia silenciosa.

Identificar-se publicamente como alguém que sofreu com a burnout é uma marca permanente de que talvez você não consiga dar conta do recado.

É desafiador para o indivíduo ver-se com seu próprio vício em trabalho e buscar entender seus motivos. É difícil que organizações assumam onde pisaram na bola, revejam sua ética e se entendam responsáveis pelo bem-estar dos colaboradores. O que dizer, então, de pensar políticas públicas que garantam direitos básicos, ou em transformação da mentalidade predominante que nos dita que o nosso trabalho é, sim, a nossa vida?

As próprias Anitta e a Beyoncé, mencionadas antes, estão sob uma pressão imensa (delas próprias e do mercado) por continuar entregando, continuar lançando, se apresentando. Identificar-se publicamente como alguém que sofreu com a burnout é uma marca permanente de que talvez você não consiga dar conta do recado.

Falar não só é terapêutico, também é transformador

Trazer esse tema à pauta não é fácil, pois ele expõe as carências de todas as esferas, do indivíduo ao sistema. Mas o silêncio não vem ajudando a resolvê-lo. Se não tivermos com quem falar a respeito e sentir-nos vistos, compreendidos por alguém que passou algo parecido, a tendência é nos isolarmos ainda mais. E o isolamento social é justamente um dos sintomas da síndrome, algo muito perigoso para nossa saúde.

Isso não quer dizer que você precise fazer uma camiseta com seus diagnósticos e sufocos (mas se quiser, também pode): faça o que estiver ao seu alcance. Talvez o momento seja de se abrir somente com alguém de confiança. E tudo bem.

Alguns de nós, no entanto, temos a oportunidade e o privilégio de ir além disso. Quem tem o próprio negócio ou quem tem uma liberdade maior na sua empresa tem a oportunidade de criar conversas que serão boas pra todo mundo. Todas as esferas ganham quando a gente joga luz sobre esse assunto:

  • Individual: você se sente menos sozinho e menos culpado;
  • Organizacional: incentiva que se criem práticas e políticas que prezam pelo bem-estar dos colaboradores, o que retorna em melhores entregas, time mais feliz, menos custas médicas e menos rotatividade;
  • Social / Cultural: move a sociedade pra frente, questionando essa nossa cultura workaholic, explorando formas diferentes de exercer o trabalho.

Eu decidi compartilhar a minha história com a síndrome de burnout há pouco mais de um ano, quando me vi desempregada, vivendo em outro país, e sem perspectiva de ter saúde para retornar ao mercado tradicional. Desde então, quando busquei um emprego tradicional, o que escrevo foi mencionado, gerando um imenso desconforto. Pessoas próximas passaram meses sem receber o auxílio-doença do governo, a que tinham direito, por medo de que futuros empregadores tivessem acesso ao seu diagnóstico.

Quando escolhi abrir o jogo e contar a minha história publicamente, eu entendi que isso poderia me prejudicar de alguma forma, mas tinha o privilégio de cometer essa ousadia. Poucas pessoas tem essa opção, e isso nos torna ainda mais responsáveis por ampliar essa conversa, normalizar esse tema e derrubar esses tabus.

Concluindo

Expor nossas vulnerabilidades pode ser assustador, mas é importante no processo de recuperação, nosso e dos que estão ao nosso redor. A síndrome de burnout é tema sério, complexo, que diz sobre carências fundamentais em nós mesmos e no mundo que nos cerca.

É urgente falarmos da nossa relação com o trabalho.

É por isso que essa coluna está estreando no Aparelho: porque é urgente falarmos da nossa relação com o trabalho e as consequências disso na nossa saúde mental e física. 

Porque conhecendo outras histórias a gente se sente menos sozinho, menos isolado, e menos culpado pelas angústias que nos afligem. Porque é só falando sobre isso que a gente vai conseguir refletir sobre novas e melhores formas de pensar na nossa rotina, na realização no nosso propósito e em como entregar produtos incríveis que carreguem o melhor da gente com eles.

E aí, vai entrar na conversa?

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 Publicado em 10/01/2020 Atualizado em 06/03/2020
Carol Miltersteiner Escritora, autora do livro Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout. Busca conectar hemisférios e investiga formas mais saudáveis de relacionar-se com o trabalho. Depois de uma década no marketing digital atendendo algumas das maiores empresas da América Latina, tornou-se workaholic até ser nocauteada pela síndrome de Burnout. Vive na Holanda desde 2017, onde escreve e apresenta o The Better Achiever (em inglês), e o Dá Pra Ser Diferente (voltado ao público brasileiro).
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